Os Salmos e a Primeira Guerra Mundial

Czech NT Psalms 2Todo mundo sabe como tudo começou. Era o final de junho em 1914. As tensões vinham crescendo há décadas entre as potências europeias rivais. O herdeiro do trono Austro-húngaro, o arquiduque Franz Ferdinand, estava visitando Sarajevo, a capital da Bósnia-Herzegovina, quando ele e sua esposa foram assassinados por um nacionalista sérvio chamado Gavrilo Princip. A então anexação por Viena daquela província seis anos antes tinha quase levado à guerra, mas agora as vias de fato estavam a apenas um mês de acontecer. Quando a poeira baixou e a guerra terminou, quatro anos depois, cerca de dezesseis milhões de pessoas tinham perdido suas vidas, e o mundo nunca mais foi o mesmo. Antigos impérios caíram, reis e imperadores tombaram de seus tronos e foram exilados. Populações inteiras foram cruelmente arrancadas de seus lares, simplesmente por viverem no lado errado de fronteiras arbitrariamente estabelecidas durante e depois das hostilidades terem terminado.

Há quase quatro décadas atrás, eu visitei Praga, a capital do que ainda era a Tchecoslováquia comunista e, antes da primeira guerra mundial, parte do Império Austro-Húngaro. Durante minha estadia lá, comprei em uma livraria de antiguidades o Novo Testamento e os Salmos em checo publicado em 1845 para “Cristãos Evangélicos de Confissões de Augsburgo e Helvética”, ou seja, para luteranos e cristãos reformados. A impressão estava em fonte German black letter e algumas palavras já haviam caído em desuso.

Há aproximadamente sete anos, notei algo interessante sobre o Livro dos Salmos neste volume. O proprietário anterior do livro, cujo sobrenome era Lány, leu os Salmos ao ritmo de aproximadamente um salmo por dia (exceto, claro, pelo Salmo 119), lembrando de marcar a data no cabeçalho de cada um. Ele começou com o Salmo 1 em primeiro de agosto de 1914, e continuou até ler o Salmo 150 em 19 de janeiro de 1915.

Estou convencido de que o momento de suas orações pelos Salmos não foi acidental. A guerra tinha estourado quatro dias antes, e o mundo inteiro seria rapidamente engolido no desenrolar do conflito. Se Lány tinha filhos que poderiam estar sujeitos à convocação militar ou se ele temia pela segurança de seu lar e de sua comunidade não se pode ter certeza.

Contudo, ao tempo em que a batalha de Tannenberg estava se estendendo para o Norte, Lány orava pelo mais que apropriado Salmo 27: “Ainda que um exército se acampe contra mim, não se atemorizará o meu coração; e, se estourar contra mim a guerra, ainda assim terei confiança”. Não muito depois, no dia em que a Rússia derrotou a Áustria na batalha de Rawa, Lány orava no Salmo 42: “Digo a Deus, minha rocha: por que te olvidaste de mim? Por que hei de andar eu lamentando sob a opressão dos meus inimigos? Esmigalham-se-me os ossos, quando os meus adversários me insultam, dizendo e dizendo: O teu Deus, onde está?”

Os Salmos podem ter fornecido conforto a Lány, ou eles podem ter expressado seus temores e sua ira nas semanas iniciais da guerra. Claro, ao orar usando os Salmos ele não fazia nada novo; ele estava apenas seguindo os exemplos da igreja primitiva, da Regra de São Bento, e até da sua própria comunidade eclesiástica, a qual suspeito que tenha sido Luterana.

Um século depois, ainda não conseguimos expressar facilmente as emoções que nossos antepassados experimentaram naqueles dias sombrios do início da guerra. Os últimos veteranos se foram, e aqueles que possuem uma vaga memória do conflito têm mais de cem anos de idade.

Entretanto, a história não para. Enquanto escrevo, as tensões aumentam entre a Rússia e grande parte do mundo (ocidental) a respeito do endosso russo ao separatismo na Ucrânia. E o Estado Islâmico pode, a longo prazo, extinguir um país cuja existência se deve à vitória Anglo-francesa em 1918. Apesar de esses conflitos parecerem improváveis a nos conduzir a outra guerra mundial, eles ilustram que, passado um século, a situação da humanidade permanece a mesma. Não passaram-se sequer dois ou mais milênios. Em uma das minhas bíblias o Salmo 82 tem o seguinte título: “Um clamor por justiça”, e se encerra com as seguintes palavras: “Levanta-te, ó Deus, julga a terra, pois a ti compete a herança de todas as nações.” De fato, todos os nossos falíveis esforços humanos por justiça são dependentes do reconhecimento desta simples verdade bíblica.

Tradução: José Reginaldo Jr.

Fonte: One Hundred Years Later: The Psalms and the First World War

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